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versão sobre a música. Eu queria mergulhar de cabeça num novo tem-
po em que parcerias jamais imagináveis podem acontecer. Achei legal
ver tanta gente botando o seu olhar sobre o que eu havia feito. Paguei o
prêmio do meu bolso. Custear meus projetos tem sido uma maneira de
manter minha liberdade radicalmente protegida. Eu poderia estar rico.
Uso a grana que ganho pra fazer minha arte como me dá na cabeça.
Detesto me submeter ao tempo lógico das produções e tenho horror a que
outras pessoas digam o que ou quando eu devo fazer um projeto.
» Fale sobre o concurso Ana Botafogo. Foi criado também
para promover o álbum
De passagem
?
Criei para dar visibilidade à dança, essa arte tão menos vista do que
outras. Fazer com que minhas músicas dialoguem com outros artistas
e homenagear Ana Botafogo. As performances vencedoras serão pre-
miadas com até R$ 30 mil. Vale qualquer estilo de dança e pessoas de
qualquer idade podem participar. Além disso, não estará em julga-
mento a qualidade técnica do vídeo. Disponibilizei minhas músicas
do álbum para download gratuito pra esse projeto. As inscrições vão
até 31 de julho pelo site
» Comente a bela balada
A vida quis assim
, outro destaque do
CD. Já pensou que ela poderia ser tema de uma novela?
É incrível e lindo que o melhor momento musical do meu disco não
tenha sido composto por mim. Escolhi as músicas que havia composto
no último ano e vi que nenhuma delas me emocionava tanto. Aí can-
tei essa canção de Mongol, um artista criado comigo. Fizemos muitas
músicas juntos. Mas quando ele compõe sozinho parece ter a capacida-
de de realmente escrever o que eu queria ter escrito. Quanto à música
embalar personagens de novelas, é algo que sempre gosto de ver. Uma
canção que a gente cantou de um jeito, colocada em outra história, vira
outra coisa. E mais, pra cada um que ouve essa música em casa, ela é
uma coisa, por isso acho que não se deve explicar uma canção. Só quem
sabe o que uma canção quer dizer é o cara que a ouve.
» Apropósito, faz gestões junto a emissoras deTVpara tentar
emplacar suas músicas e transformá-las em hits de massa?
Nossa empresa tem uma assessoria de imprensa que manda para
todos os veículos os nossos novos produtos. Fico sempre feliz quando
uma música minha atinge o grande público, mas nunca dominei os
critérios pelos quais isso acontece. É o caso de músicas como
Bando-
lins
,
A lista
e
Intuição
– eu jamais imaginei que ficariam conheci-
das. Atiro a flecha sem saber em que alvo ela vai bater.
» Aliás, você cria canções de amor como mestria. Se conside-
ra uma pessoa romântica ou imagina personagens/cenas e a
partir daí mergulha no clima e compõe?
Me considero um ser passional. Quando namoro uma mulher, quan-
do faço um filme, um show, sou um bicho de emoções, sem espaço para
qualquer coisa equilibrada, controlada ou contida. Sou a pessoa me-
nos zen que conheço, estou no planeta pra sentir. Admiro o desapego
dos budistas, mas sou exatamente o oposto disso.
» E você ainda faz poemas lindos como
Metade
? Já musicou
este poema ou apenas o declama nos shows?
Jamais eu musicaria esse poema. Eu o escrevi como uma prece. Não
tenho religião, ela é a minha maneira de rezar.
» Ainda costuma deixar que o público de determinadas cida-
des monte o repertório que deverá cantar?
Fiz um projeto assim uns anos atrás. Foi legal. Não sei se vou repe-
ti-lo. Gosto mais de apresentar o que vem na minha cabeça na hora,
mas sempre que alguém pede uma música faço questão de atender.
Acho que, aí, é uma questão de gentileza.
»
A lista
é outra pérola do seu cancioneiro, provoca reflexão
nas pessoas. Fale sobre esta música.
É uma música de perguntas. Cada vez mais tenho ojeriza à certeza
absoluta sobre qualquer assunto. Daí ter nascido essa canção que ape-
nas questiona. Ela também é a nítida comprovação do meu pavor do
quanto a vida nos escorre entre os dedos.
»
Léo&Bia
, seu primeiro hit radiofônico, virou título de peça
teatral e de seu primeiro longa. Fale sobre a concepção e a
performance deste filme junto ao público e crítica.
É um filme radicalmente pessoal. Quase autobiográfico. Pensei em
fazer uma estética original, diferente, mas com um roteiro que todo
mundo entendesse. Fiquei feliz com a recepção e sei, dentro de mim,
que eu precisava contar aquela história.
» Você está envolvido agora comoutro projeto para o cinema.
Vai ser baseado em alguma canção em especial?
Ele se chamará
Solidões
e nesse, além de dirigir, estou no elenco,
junto com a Vanessa Giacomo e uma galera muito bacana. Já filma-
mos 80% do roteiro. Na verdade, são vários episódios sobre o tema
solidão. Às vezes abordado com humor, às vezes com emoção, com as
histórias se intercruzando. Já filmei no agreste pernambucano, em
Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília. Ainda não tenho a data
prevista para o lançamento.
» Você venceu o Festival Nova MPB, em 1980. Acha que o
Brasil carece de eventos como aquele para revelar talentos?
Mais: o que acha de programas como
Idolos
e
The Voice
?
A proposta desses programas atuais não é exatamente revelar novos
talentos, embora isso possa acontecer eventualmente. A ideia é que o
tema concurso gere um programa de boa audiência para a emissora, no
qual a própria personalidade dos jurados influencia. Além disso, o que
faz o artista ser alguém que tenha algum público que o siga, que o ouça,
é algo difícil de analisar ou prever. Entram aí a identificação, a admi-
ração, o talento, o carisma, as circunstâncias da época e onde sua música
foi veiculada. Nos festivais antigos a música era protagonista. Hoje,
música é trilha, seja de novela, filme, celular ou até mesmo da persona-
lidade de algum artista que muitas vezes vem na frente da música que
ele canta. São novos tempos e temos que olhar pra eles como eles são.
» Acredita que falta no Brasil uma oferta maior de espaços
intermediários, para artistas que não têm perfil tão popular
para tocar emmegaeventos?
Sim, acredito que um país saudável culturalmente tem que atender
a todo o tipo de espetáculo. Mas isso vem com o tempo. Primeiro
precisamos comer, alfabetizar, não jogar papel no chão e, acima de
tudo, não permitir que continuem nos roubando. Enquanto um ban-
do de filhos da puta corruptos meterem a mão no dinheiro que seria
para boas causas, discutir o resto é perfumaria.
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