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AcAntorA
"Governoeempresasdeveriam
patrocinarmaisprojetosqueprimam
pelaexcelênciaartística–aindaque
nãotenhamapelocomercial"
canções, em parceria –
Geração perdida
(com Ra-
mon Cruz e Toni Augusto),
Vem morar comigo
(Durval Lelys) e a faixa-titulo (Tote Gira). As
demais músicas que integram o repertó-
rio foram fruto de pesquisa rigorosa.
Entre os destaques estão
Você não en-
tende nada/Cotidiano
(Caetano Veloso/
Chico Buarque),
Só pra te mostrar
(Herbert Vianna,
que também participa da gravação),
O mais belo dos
belos
(Guiguio, Valter Farias e Adailton Poesia),
Mo-
numento vivo
(Davi Moraes e Moraes Moreira) e
Rimas irmãs
(Carlinhos Brown). "Eu me dedi-
quei ao máximo a este disco para conseguir
criar uma fórmula nova e dialogar com o
mundo e com o Brasil. Para atingir esse ob-
jetivo, não podia contar com ingerências na
parte conceitual. Participei de todas as eta-
pas da gravação do disco e imprimi meu
DNA nele", explica Daniela.
Outro fator importante para o êxito do
projeto é o contexto histórico. À época, o
Brasil vivia um momento político contur-
bado, com o impeachment do presidente
Fernando Collor e a população repensan-
do a brasilidade como um sentimento
legítimo. Tanto que, em nenhum outro
momento histórico, o povo se uniu em
prol de uma atitude democrática com
a qual todos aparentemente concor-
davam. E esse orgulho repentino
de ser brasileiro abriu as portas
para o retorno de ritmos locais à
mídia. Dessa forma, saía de cena
o rock dos anos 80 e voltavam ao
palco o samba e a música sertaneja.Da-
niela Mercury, com seu som étnico e embalado por percussão,
encontrou espaço justamente nesse momento. Nelson Motta,
eterno entusiasta da música baiana, definiu a aparição da can-
tora no cenário pop como "uma Iansã vingadora, uma guerreira
de espada na mão e pernas de fora, abrindo uma clareira de luz
e alegria no meio das trevas 'colloridas' (alusão ao então presi-
dente)". "A Cia. Clic e o disco
Swing da cor
foram laboratórios
para eu criar
O canto da cidade
. Foi quando descobri o samba
reggae e percebi que o ritmo era perfeito para o momento. O
Brasil necessitava de uma MPB de rua, com desabafo e explo-
são de sentimentos de um povo sofrido", resume Daniela.
O álbum rendeu ainda um especial de fim de ano na Rede
Globo, em que foram mescladas imagens de números de um
show realizado na praça da Apoteose, no Rio de Janeiro, e vi-
deoclipes gravados com Caetano Veloso, Herbert Vianna e
Tom Jobim. Em 2007, o especial, até então inédito em vídeo,
foi lançado em DVD para comemorar os 15 anos do álbum.
› PoLÊMIcASno cArnAVAL
O canto da cidade
também foi o álbum que mudou o formato da
indústria. A partir de então, o axé deixou de ser um gênero sa-
zonal e passou a estar presente em todos os casts
de gravadoras e programações de rádio. Logo,
Ivete Sangalo, Netinho, Araketu, Asa de Águia e
tantos outros conquistariam espaço na mídia e no
mercado. A popularização desses cantores e ban-
das em nível nacional foi primordial para a con-
solidação do carnaval de Salvador como uma das
maiores festas populares do mundo.
O início da estruturação e profissionalização
do carnaval da capital baiana se deu no vácuo do
sucesso de Daniela Mercury. Foi com o êxito
alcançado com
O canto da cidade
que a can-
tora garantiu o primeiro patrocínio priva-
do significativo (da empresa de bebidas
Antarctica) para um bloco de carnaval. A
partir de então, a festa carnavalesca local
passou a exercer grande importância eco-
nômica, política e turística na cidade de
Salvador. Em 2012, a festa movimentou
R$ 1 bilhão e atraiu cerca de 500 mil
turistas. São números que crescem
anualmente. Porém, Daniela
reclama que o investimento
público tem deixado a desejar.
Nesse ano, o governo do estado
investiu R$ 52 milhões no
evento e a prefeitura,R$ 30 mi-
lhões. "No Carnaval, geramos
R$ 1 bilhão para a cidade. E o
governo investe menos de 10%
desse valor gerado na organização e
promoção. O resto sai do nosso bolso ou
do bolso de nossos patrocinadores. No máximo, conseguimos
zerar as planilhas, ou seja, não alcançamos lucro com o evento.
Se não fosse por amor, eu não faria mais carnaval. Acredito que
eu mereça mais respeito, por ter sido uma das responsáveis por
popularizar o carnaval. Fui empreendedora na festa. Na Europa,
estaria protegida e receberia apoio governamental. No Brasil,
empreendedor só apanha", reclama Daniela.
A cantora estende essa crítica a outras áreas. Segundo ela, é
cada vez mais essencial que o apoio estatal se faça presente na
música de vanguarda e criativa. "Ninguém quer investir em no-
vos gêneros, novas ideias. Os mecenas preferem apostar no que
dá lucro certo, seja como investidor particular, seja quando par-
ticipam de leis de fomento. Por isso, os textos das principais leis
de incentivo em vigor precisam ser revistos, para que artistas
que primam pela modernidade e excelência artística – mesmo
sem tanto apelo comercial – também possam ser contemplados
com patrociníos e apoios. Penso que fazemos tanto pelo país,
divulgando a música nacional no exterior, que está na hora do
país entrar com sua contrapartida. Sem esse apoio e consciência,
dificilmente novos clássicos como
O canto da cidade
serão gra-
vados", desabafa Daniela.